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Humanidade

Nos bastidores da política chinesa, os “príncipes” — herdeiros de comunistas históricos — se movimentam para tomar o poder na segunda maior economia do mundo.

No segundo semestre deste ano, provavelmente em outubro, o establishment político chinês irá definir quem será, já a partir de 2013, o presidente da segunda maior economia do mundo até 2023. Além disso, decidirá quem fará parte do Comitê Permanente do Politburo, principal órgão decisório do Partido Comunista, de onde emergem figuras como o premiê e vários secretários de Estado.



À medida que a movimentação nos bastidores aumenta, a China cada vez mais se encaixa na frase cunhada pelo britânico George Orwell, no livro A Revolução dos Bichos, uma sátira ao comunismo: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.

Xi Jinping, que salvo uma improvável reviravolta, será o próximo presidente chinês, é filho de um revolucionário que lutou com Mao Tsé-tung e chegou a vice-premiê da China na década de 50. Mais tarde, seu pai arquitetou a criação da zona econômica especial de Shenzen, transformando o que era um vilarejo até a década de 80 em um símbolo do milagre econômico chinês.

Além de Xi, seis dos mais prováveis candidatos a um assento no Comitê Permanente, todos na faixa dos 60 anos, também são chamados de “príncipes”, parentes de figuras ilustres da história do país. A sucessão no sistema chinês não se compara à de ditaduras hereditárias — no estilo da Coreia do Norte.

Como mostra a atual disputa, porém, ter um parente revolucionário ou com um currículo de alto escalão pode ser um belo atalho para chegar ao poder. “Na China, os governos passam, mas alguns sobrenomes ficam”, diz Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil no país.

A nova composição da cúpula decisória irá definir se o país caminhará, nos próximos anos, rumo a uma reforma política ou se manterá o status quo. O chinês Cheng Li, diretor de pesquisa do Brookings Institution, um centro de estudos de Washington, considerado um dos maiores conhecedores da política chinesa, costuma dividir os membros do PC em duas facções.

O grupo batizado por ele de “elitista”, linha seguida pela maioria dos príncipes, é politicamente conservador e economicamente liberal. Defende o crescimento acelerado do PIB e a abertura do mercado para os investimentos estrangeiros, mas não quer nem ouvir falar de reformas políticas.

Já o grupo chamado “populista”, liderado pelo atual presidente Hu Jintao e pelo premiê Wen Jiabao, sustenta que é necessário ampliar a democracia interna do PC e adotar medidas mais duras para lidar com a corrupção nos altos escalões do governo. Na área econômica, os populistas, embora não sejam contrários à iniciativa privada, defendem a adoção de políticas redistributivas.

A queda de um príncipe

Entre os dois grupos há uma diferença na origem. De modo geral, os populistas são egressos da Liga da Juventude Comunista e vêm de famílias sem importância. Avançaram na carreira política galgando posições nas administrações provinciais.

Já os príncipes sempre estiveram destinados a um futuro mais róseo — e, após o massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989, passaram a ser vistos pelos veteranos do PC como vitais para a preservação do sistema.

“Muitos príncipes só estão onde estão para manter privilégios. Vale sempre lembrar que na China não existem concursos nem para a escolha de funcionários públicos”, diz Joseph Cheng, professor de ciência política da Universidade da Cidade de Hong Kong.

O nepotismo escancarado cria um certo espírito de grupo, mas não evita disputas fratricidas na cúpula, como demonstrou o recente expurgo de Bo Xilai, um príncipe “elitista” que dominava a cidade de Chongqing. Seu pai era o revolucionário Bo Yibo, considerado um dos “Oito Imortais”, grupo dos comunistas mais relevantes na China dos anos 80 e 90.

Dono de uma fortuna estimada em 160 milhões de dólares, Bo Xilai era, até há pouco, um forte candidato a ocupar uma cadeira do Comitê Permanente. Político carismático, afeito a dar entrevistas a canais de televisão (num país onde isso não é normal), Bo Xilai adorava evocar a memória de Mao Tsé-tung e adotava políticas de forte apelo popular, como o combate às máfias locais.

Sua sorte virou quando as autoridades de Pequim descobriram que havia grampeado um telefonema entre o presidente Hu Jintao e um fiscal anticorrupção em visita à cidade de Chongqing em agosto. A gota d’água foi o pedido de asilo ao consulado americano feito pelo seu antigo diretor de polícia.

Dizendo-se perseguido, o ex-braço direito de Bo Xilai afirmava ter provas de crimes cometidos pela família do chefe. A acusação era de que a mulher de Bo Xilai teria mandado matar um empresário britânico amigo da família por causa de conflitos na área dos negócios.

Era a deixa para que os inimigos de Bo Xilai conseguissem decretar o fim de sua carreira política. “De certa forma, o que aconteceu é bem-vindo, pois incita os chineses a jogar luz sobre as atitudes de membros do partido”, afirma Cheng Li, do Brookings Institution.

Parte dos analistas acredita que o episódio Bo Xilai pode ser o estopim de reformas políticas. “Se houver clamor popular, o governo, mesmo liderado por um príncipe como Xi, terá de fazê-las”, avalia Jonathan Fenby, analista da consultoria inglesa Trusted Sources. O gesto mais ousado seria fortalecer o Judiciário para que os altos membros do governo não vivessem mais acima das leis.

Por três décadas, o sistema político do país confiou no crescimento econômico para manter sua legitimidade. Em tempos de desaceleração do PIB (a previsão para este ano está em 8%, baixo para os padrões da China), o custo político de não se mexer poderá ser maior do que o de enfrentar as tradições. Uma eventual indignação popular faria mal tanto aos “elitistas” quanto aos “populistas”.

 

Fonte: Exame

 

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